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terça-feira, 23 de junho de 2009


A parábola dos talentos – Rubem Alves

Havia um homem muito rico, possuidor de vastas propriedades, que era apaixonado por jardins. Os jardins ocupavam o seu pensamento o tempo todo e ele repetia sem cessar: O mundo inteiro ainda deverá transformar-se num jardim. O mundo inteiro deverá ser belo, perfumado e pacífico. O mundo inteiro ainda se transformará num lugar de felicidade.
As suas terras eram uma sucessão sem fim de jardins, jardins japoneses, ingleses, italianos, jardins de ervas, franceses. Dava muito trabalho cuidar de todos os jardins. Mas valia a pena pela alegria. O verde das folhas, o colorido das flores, as variadas simetrias das plantas, os pássaros, as borboletas, os insectos, as fontes, as frutas, o perfume… Sozinho ele não daria conta Por isso anunciou que precisava de jardineiros. Muitos se apresentaram e foram empregados.
Aconteceu que ele precisou de fazer uma longa viagem. Iria a uma terra longínqua comprar mais terras para plantar mais jardins. Assim, chamou três dos jardineiros que contratara, e disse-lhes: Vou viajar. Ficarei muito tempo longe. E quero que vocês cuidem de três dos meus jardins. Os outros, já providenciei quem cuide deles. A você, Paulo, eu entrego o cuidado do jardim japonês. Cuide bem das cerejeiras, veja que as carpas estejam sempre bem alimentadas… A você, Hermógenes, entrego o cuidado do jardim inglês, com toda a sua exuberância de flores espalhadas pelas rochas… E a você, Boanerges, entrego o cuidado do jardim mineiro, com romãs, hortelãs e jasmins.
Ditas essas palavras, partiu. Paulo ficou muito feliz e pôs-se a cuidar do jardim japonês. Hermógenes ficou muito feliz e pôs-se a cuidar do jardim inglês. Mas Boanerges não era jardineiro. Mentira ao oferecer-se para o emprego. Quando ele viu o jardim mineiro disse: Cuidar de jardins não é comigo. É demasiado trabalho…
Trancou então o jardim com um cadeado e abandonou-o. Passados muitos dias voltou o Senhor, ansioso por ver os seus jardins. Paulo, feliz, mostrou-lhe o jardim japonês, que estava muito mais bonito do que quando o recebera. O Senhor dos Jardins ficou muito feliz e sorriu. Hermógenes mostrou-lhe o jardim inglês, exuberante de flores e cores. O Senhor dos Jardins ficou muito feliz e sorriu.
E foi a vez de Boanerges… E não havia forma de enganar: Ah! Senhor! Preciso de confessar: não sou jardineiro. Os jardins dão-me medo. Tenho medo das plantas, dos espinhos, das lagartas, das aranhas. As minhas mãos são delicadas. Não são próprias para mexer na terra, essa coisa suja…
Mas o que me assusta mesmo é o facto das plantas estarem sempre a transformar-se: crescem, florescem, perdem as folhas. Cuidar delas é uma trabalheira sem fim.
Se estivesse em meu poder, todas as plantas e flores seriam de plástico. E a terra estaria coberta com cimento, pedras e cerâmica, para evitar a sujeira. As pedras dão-me tranquilidade. Elas não se mexem. Ficam onde são colocadas. Como é fácil lavá-las com esguichos e vassoura! Assim, eu não cuidei do jardim. Mas tranquei-o com um cadeado, para que os traficantes e os vagabundos não o invadissem.
E com estas palavras entregou ao Senhor dos Jardins a chave do cadeado. O Senhor dos Jardins ficou muito triste e disse: Este jardim está perdido. Deverá ser todo refeito. Paulo, Hermógenes: vocês vão ficar encarregados de cuidar deste jardim. Quem já tinha jardins ficará com mais jardins.
E, quanto a você, Boanerges, respeito o seu desejo. Não gosta de jardins. Vai ficar sem jardins. Gosta de pedras. Pois, de hoje em diante, irá partir pedras na minha pedreira…
Rubem AlvesGaiolas ou Asas










Milho de Pipoca


Rubem Alves



A transformação do milho duro em pipoca macia é símbolo da grande transformação por que devem passar os homens para que eles venham a ser o que devem ser.O milho de pipoca não é o que deve ser. Ele deve ser aquilo que acontece depois do estouro.O milho de pipoca somos nós: duros, quebra-dentes, impróprios para comer.Mas a transformação só acontece pelo poder do fogo. Milho de pipoca que não passa pelo fogo continua a ser milho de pipoca, para sempre. Assim acontece com gente. As grandes transformaçoes acontecem quando passamos pelo fogo. Quem não passa pelo fogo fica do mesmo jeito, a vida inteira.São pessoas de uma mesmice e uma dureza assombrosas. Só elas não percebem. Acham que é o seu jeito de ser. Mas, de repente, vem o fogo.O fogo é quando a vida nos lança numa situação que nunca imaginamos. Dor.Pode ser o fogo de fora: perder um amor, perder um filho, ficar doente, perder o emprego, ficar pobre.Pode ser o fogo de dentro: pânico, medo, ansiedade, depressão, sofrimentos cujas causas ignoramos.Há sempre o recurso do remédio. Apagar o fogo. Sem fogo, o sofrimento diminui. E com isso a possibilidade da grande transformação. Pipoca, fechada dentro da panela, lá dentro ficando cada vez mais quente, pensa que a sua hora chegou: vai morrer.Dentro de sua casca dura, fechada em si mesma, ela não pode imaginar destino diferente. Não pode imaginar a transformação que está sendo preparada. A pipoca não imagina aquilo de que ela é capaz.Aí, sem aviso prévio, pelo poder do fogo, a grande transformação acontece: Bum! E ela aparece como uma outra coisa completamente diferente, com que ela mesma nunca havia sonhado.Piruá é o milho de pipoca que se recusa a estourar. São aquelas pessoas que, por mais que o fogo esquente se recusam a mudar. Elas acham que não pode existir coisa mais maravilhosa do que o jeito delas serem. A sua presunção e o medo são a dura casca que não estoura. O destino delas é triste. Ficarão duras a vida inteira. Não vão se transformar na flor branca e macia. Não vão dar alegria a ninguém. Terminado o estouro alegre da pipoca, no fundo da panela ficam os piruás que não servem para nada. Seu destino é o lixo. E você o que é? Uma pipoca estourada ou um piruá?



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